quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO


Comecemos com o texto de 2ªPe 1.20-21: “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por Vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo.” Podemos observar que Pedro considerava “a profecia” (O Antigo Testamento) como “Escritura(grafês, palavra usada para “escrito”, mas aqui com o sentido de um escrito com autoridade). Isto nos mostra que a Bíblia dos primeiros cristãos foi o Antigo Testamento. Vemos mais disto em Lc 24.27, na atitude de Jesus: “E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”. E também em Lc 24.44: “Depois lhe disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Os judeus dividiam o Antigo Testamento em Lei, Profetas e Escritos. Jesus alude às três divisões, apenas citando “Salmos” em vez de “Escritos”. Talvez por ser o maior livro dos Escritos.
O ministério de Jesus sinalizou, desde cedo, que havia algo de diferente no mundo. O episódio da transfiguração elucida bem isto. Diante dos discípulos estavam Moisés e Elias, tipificando a Lei e os Profetas, mais Jesus, a nova revelação. Quando Pedro tenta nivelar os três, dispondo-se a fazer uma tenda para cada um, Deus Pai intervém e declara: “Este é o meu Filho amado, em que me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5) e tira Moisés e Elias de cena. Os discípulos “erguendo os olhos, não viram a ninguém, senão a Jesus somente” (Mt 17.8). Também deduzimos isto de uma palavra de Jesus, em Lc 16.16: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem forceja por entrar nele”. A Lei e os Profetas, o Antigo Testamento, se esgotaram em João Batista, o último dos profetas na linhagem dos profetas de Israel. Com Jesus se inicia um tempo novo. Obviamente que uma nova revelação acabaria por surgir. Jesus se valeu do Antigo Testamento, como judeu que era, mas tinha a noção de que trazia uma nova revelação. E sabia que não conseguiria completar toda ela, na comunicação aos discípulos. Lemos isto em Jo16.12: “Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora”. Já dissera coisas demais para que um grupo de pescadores, moldados no judaísmo, conseguisse entender tudo. Ainda havia mais coisas para dizer. Ele continua o discurso e anuncia que suas verdades ainda continuarão a ser ditas, agora pelo Espírito Santo, nos versículos 13-14: “Quando vier, porém, aquele, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará”. Esta palavra de Jesus é o endosso à revelação que viria desaguar no Novo Testamento.
A Igreja primitiva entendeu que a revelação do Antigo Testamento se esgotou com o ensino de Jesus. A citação de Jesus em Lc 16.16 “A lei e os profetas vigoraram até João; desde então é anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem forceja por entrar nele”. deve ter soado bem clara para eles. Havia uma parte nova a compreenderem. Este ensino de Jesus é a palavra final de Deus, como lemos em Hb 1.1-2: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho”. Jesus é a Palavra encarnada, como diz João, no prólogo do evangelho (“E a Palavra de fez carne”- Jo 1.14) e é, também, a Palavra final. Ao mesmo tempo, a Igreja entendeu que tinha uma tarefa de reorganizar a revelação divina escrita. Como reverenciavam as Escrituras, isto deve ter sido uma tarefa muito bem pensada pelos discípulos. Em Jo 5.40, Jesus disse que os judeus examinavam as Escrituras e que elas testificavam dele. A Igreja entendeu que o Antigo Testamento fora um testemunho sobre Jesus. A questão era de um ponto de vista de formulação, bem simples: reinterpretar as Escrituras. Mas era algo bastante complexo. Doutores da Lei haviam cristalizado o Antigo Testamento em séculos de estudo. Como eles fariam isto? Eles tinham que dar algumas explicações não apenas ao mundo, mas a si mesmos. Como entender o fenômeno Jesus? Como explicar o que eles tinham visto?
Primeiramente, eles releram o Antigo Testamento, procurando por Jesus. Ele mesmo dissera que o Antigo Testamento testemunhara dele (Jo 5.40) e que Moisés testemunhara dele. Nos sermões em Atos vemos que a Igreja foi buscar no Antigo Testamento, principalmente em Salmos, algumas pistas sobre Jesus. Salmos falam das esperanças e das expectativas dos judeus. Inclusive as esperanças pelo Messias. Os salmos messiânicos aludiam ao rei de Jerusalém como ungido de Deus. Foram aplicados a Jesus. A grande tarefa foi reinterpretar o Antigo Testamento. Ao mesmo tempo em que reinterpretava o Antigo Testamento, a Igreja produzia a sua literatura, que gerou o Novo Testamento. Eis nossa questão: como isto aconteceu? Como surgiram os escritos sobre Jesus, sobre a nova revelação, e como chegaram a ser tidos como autoritativos?

A TRADIÇÃO ORAL
Antes de chegarem à escrita, os relatos de Jesus circularam oralmente. Esta era uma prática entre os orientais e, óbvio, os judeus. Nas caravanas de viajantes pelo deserto, nas vilas, à noite, ao redor das fogueiras, no campo, as pessoas se ajuntavam para contar as histórias de seu povo. A grande massa da literatura dos rabinos foi desenvolvida entre os anos 100 aC. e 600 de nossa era. Neste período de 600 anos, a transmissão foi oral. Foi o método de que o Espírito Santo se valeu para formar o Antigo Testamento. Lemos em 2ªTm 1.14: “guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós”. “O bom depósito” é, no grego, ten kalen paratheken, literalmente, “o verdadeiro depósito”. Kalen era usado para designar algo verdadeiro em contraposição ao falso, principalmente moedas. Paulo está falando da tradição oral que Timóteo recebeu que está nele, com o auxílio do Espírito Santo, e que ele deve diferenciar das tradições falsas. Assim se foi formando o Novo Testamento. Seu gérmen foi à tradição oral. Citando Crabtree: “O primeiro evangelho representa a tradição apostólica circulada na Judéia, o Evangelho segundo Mateus”O segundo evangelho representa a tradição conhecida na Igreja de Roma, o Evangelho de Marcos, recebido do apóstolo Pedro.” “O terceiro evangelho, escrito por Lucas, o médico, representa a tradição circulada em Antioquia e em outras igrejas da Ásia Menor”. Segundo esta teoria, a tradição foi, assim, preservada em três edições: a judaica, a romana e a grega. Isto é suficiente para mostrar que a formulação dos evangelhos foi algo muito bem preparado. Não é um trabalho irrelevante, pois que as três grandes correntes do pensamento mundial, na época, foram alcançadas pelo evangelho e puderam avaliá-lo, também.

A TRADIÇÃO ESCRITA
Houve documentação do ensinado por Jesus. Alguns estudiosos, por exemplo, afirmam que o sermão do Monte foi pronunciado em hebraico (menos provavelmente em aramaico) e que isto se vê na forma com foi traduzido para o grego. Neste caso, teria havido anotações do longo discurso. O que temos seria uma síntese do que Jesus proferiu. Mas, isto é que nos interessa neste contexto: teria havido anotações escritas dos sermões proferidos por Jesus? As semelhanças entre os sinóticos motivaram os estudiosos a defenderem a existência de um documento chamado “Q” (do alemão Quelle, “fonte”), que teria sido de comum acesso aos três evangelistas. Segundo alguns esta fonte teria sido produzida em aramaico e os três evangelistas sinóticos usaram esta fonte, cada uma à sua maneira. Pelo menos Lucas declara ter feito uma pesquisa (Lc 1.1-3). Este documento teria sido comum aos sinóticos, mesmo Mateus e Marcos não afirmando nada em termos de pesquisa. Para Papias, Mateus teria escrito este documento “Q”, chamado, em grego, de Logia. Outros falam da interdependência dos evangelhos. Mateus e Lucas teriam se valido de Marcos, que seria uma espécie de evangelho padrão. Agostinho falou da “utilização recíproca”, uma variação desta ideia. Mateus teria sido o primeiro evangelho. Marcos teria resumido Mateus e Lucas teria se valido dos dois. Parece-me que é possível combinar as posições da tradição oral com uma fonte escrita. Elas não são excludentes, mas combinam-se entre si. Parece-me, ainda, que Marcos teria sido o evangelho padrão. Algumas razões para isto: (1) Mateus e Lucas concordam entre si quando concordam com Marcos; (2) quando Mateus e Marcos discordam entre si, um dos dois concorda com Marcos. Esta discordância não é de conteúdo, mas de detalhes; (3) há mais traços de Marcos em Mateus e Lucas do que os outros dois no outro e em Marcos. Lembremos que Marcos teve como principal fonte o apóstolo Pedro, um dos que privavam da intimidade de Jesus. Marcos recebeu informações de uma testemunha ocular, o que o credencia para ser uma fonte segura. Lembremos mais que Mateus fora cobrador de impostos e que foi na coletoria que Jesus o encontrou. Era um homem de fazer anotações escritas.

QUAIS OS CRITÉRIOS PARA ESCOLHER OS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO?
De vez em quando ouvimos falar do evangelho de Pedro, do evangelho de Tomé, e de outros livros.
Por que temos estes 27 livros do Novo Testamento e não os demais? Pelo menos seis critérios foram empregados pela comunidade primitiva.

(1)  O primeiro foi a circulação universal. Alguns livros foram produzidos  mas nunca tiveram aceitação em todas as igrejas      locais. Foram de aceitação restrita. Não houve consenso quanto aa sua autoridade. Os livros que constam do nosso Novo Testamento tiveram aceitação em todas as  igrejas

(2)  O segundo foi a autoria apostólica ou dos discípulos dos apóstolos. Assim é que temos as cartas de Paulo, Pedro e João. Tiago e Judas, se são, como penso, os irmãos de Jesus, logo se converteram e se integram à Igreja. Marcos e Lucas foram discípulos dos apóstolos. Isto preservava a autoridade doutrinária dos livros. Por isto, livros como as epístolas de Clemente Romano e o Didaquê foram recusados.

(3)  O terceiro é um desdobramento: que os livros seguissem a doutrina dos apóstolos. Como Marcos, Lucas e, possivelmente Hebreus, se seu autor é Apolo ou Barnabé. Isto garantia a firmeza doutrinária.

(4)  O quarto foi a rejeição de escritos fabulosos ou ridículos. Assim foram rejeitados alguns evangelhos apócrifos, como o de Tomé, os evangelhos de André, os Atos de Paulo e o Apocalipse de Pedro. Além de não terem sido escritos por estes homens, seu conteúdo era duvidoso.
(5)  O quinto foi a rejeição de escritos que propagavam heresias. A Igreja tinha um poderoso vínculo doutrinário, que era a pessoa de Jesus. Os apóstolos eram a fonte de avaliação e de avalização dos escritos. Eles podiam detectar se algo era condizente com a integridade do ensino de Jesus.

(6)  O sexto foi a utilização universal por parte das igrejas. É uma ampliação da primeira, a aceitação universal. Em Cl 4.16, Paulo recomenda que a epístola seja enviada à Igreja de Laodicéia e a que fora enviada à Igreja de Laodicéia fosse lida em Colossos. Havia circulação e aceitação. Estes critérios mostram que a Igreja não foi tonta nem estabanada na formação do cânon do Novo Testamento. Articulistas seculares, que não têm noção do que foi a formação do Novo Testamento, vez por outra produzem artigos banais, tentando desprestigiar o cânon e falando de livros rejeitados, como se a Igreja tivesse agido de má fé. Ela agiu com extremo bom senso. E acima de sua ação, lembremos que o Espírito Santo, dado à Igreja, coordenou este trabalho. Ele é o autor último das Escrituras, como lemos em 2ªPe 1.20-21: “sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo”. Isto se aplica, também, ao Novo Testamento. Podemos com isto dizer que o Novo Testamento não é um documento irrefletido, produzido de uma hora para outra. Ele foi maturado por mais de meio século e foi produzido por quem sabia o que estava fazendo. No dizer de Davies: “Os documentos do Novo Testamento foram todos eles escritos por cristãos. Isto significa que eles são, essencialmente, produtos da comunidade cristã do primeiro século”. O Novo Testamento foi escrito pela Igreja, para a Igreja e a partir da visão da Igreja. Neste sentido, é um documento eclesiástico. “Ele traz as marcas das necessidades e questões da Igreja em cada página”  Ela sabia o que estava fazendo.

CONCLUSÃO
A finalidade deste artigo, que bem é bem sintético, sem pretensão de ser uma tese ou um tratado teológico, é mostrar que o Novo Testamento merece confiança. Não foi uma obra produzida sem preparo. Se 1ªTs foi escrito no ano 46, sendo o primeiro livro, como pensam alguns, e o Apocalipse foi escrito no ano 90, há 44 anos de produção literária. E se temos a tradição oral, antes da produção dos evangelhos houve uma fermentação das ideias e história, tempo suficiente para serem confirmados ou corrigidos pelos apóstolos.
É revelador que o Apocalipse de João é o último livro, cronologicamente falando, do Novo Testamento. Após a morte de João, nenhum livro foi escrito e tido como digno de figurar no cânon da Igreja. Claro, não havia mais um apóstolo para autenticar ou confirmar as ideias. Lembremo-nos de 1Jo 1.1-3, onde João se põe como testemunha ocular do fenômeno Jesus.
Os escritos do Novo Testamento merecem confiança, mas devemos avançar mais um pouco. Merecem nosso respeito. Merecem nosso amor. Merecem que nos aproximemos deles com interesse e com fome. Eles são, e devem ser vistos assim, como Palavra de Deus para nós. Se não os virmos assim, perderemos muito e todo conhecimento que viermos a ter sobre o Novo Testamento terá sido inútil. Que amemos o Novo Testamento e nos abeberemos em seu ensino.

Texto Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho, para a Primeira Igreja Batista de Nova Odessa, Sp.

Editadado e adaptado por:
Abdias Barreto
Contatos:
Cel: 85.8857-5757
E-mail: profabdias@gmai.com

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